Sistema de Preferência e Rápida Eutanásia: Exemplos do Desenvolvimento da Ciência de Animais de Laboratório e o Bem-Estar de Camundongos

Articulos Cientificos Noticias

Por Gabriel Melo de Oliveira (oliveira.gabriel.melo@gmail.com)

    O uso de animais de laboratório possui uma enorme importância no desenvolvimento científico e tecnológico de todos os Países. A Legislação e regulamentação do uso de animais para fins didáticos e científicos atualmente é uma realidade. Contudo, acredito que o desenvolvimento da Ciência de Animais de Laboratório (CAL), através de projetos específicos ao retorno de conhecimento, insumos, materiais, procedimentos e equipamentos deva estar intimamente ligada ao processo de normatização da prática de criação e experimentação animal. Dessa forma torna-se possível a confiabilidade e a reprodutibilidade dos resultados pelos motivos de elevação da qualidade de vida do animal em restrição de espaço (em biotérios), menor influência dos resultados dos protocolos experimentais e possibilidade de executar procedimentos operacionais dentro das condições éticas e estruturais de cada instituição.

    Nesse breve relato irei demonstrar, dois exemplos de inovação e modificação tecnológica desenvolvida no Setor de Ciência de Animais de Laboratório do Biotério de Experimentação dos Laboratórios de Biologia Celular e Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz. Desde a sua estruturação, esse biotério, além de desenvolver inúmeros projetos in vivo dos pesquisadores de cada laboratório, também desenvolve projetos diretamente a CAL, os quais o retorno dos resultados impactam na elevação do Bem estar animal (BEA), desde o conhecimento do comportamento individual e social de camundongos até a proposta de aplicação de uma rápida e indolor eutanásia, passando pela difusão de informações e sensibilização da importância do biomodelo camundongo nos ensaios biomédicos.

1)    Sistema de Preferência:

Nosso grupo de pesquisa há aproximadamente 5 anos está diretamente envolvido na pesquisa do comportamento individual e social de camundongos em biotério. Esse animal apresenta um enorme e complexo repertório comportamental, mesmo geneticamente selecionadas, mesmo em um ambiente padronizado e até no espaço e com restrição de espaço. Assim, estamos convictos em afirmar que a melhor maneira de oferecer BEA ao camundongo em biotério é testar a sua preferência. Essa pergunta seria feita por meio de um protótipo desenvolvido em 2015 pelo nosso grupo, o Sistema Interligado de Gaiolas (SGI) (Foto abaixo). Seu princípio é simples, mas altamente eficaz: Conectamos duas gaiolas por meio de uma conexão com diâmetro apropriado para a passagem de um camundongo Outbred Stock adulto e dividimos então em área A e B dessa forma foi possível avaliar a preferência do camundongo a oferta de diferentes insumos, materiais e etc ... O resultado esperado desse teste é qual o insumo/material o animal mais interage. Dessa forma podemos responder a pergunta de qual o seria o preferido. Consequentemente, o preferido será aquele que irá proporcionar ao animal maior conforto, ou seja qualidade vida e BEA.

    Nossos principais resultados em camundongos Swiss Webster machos até o presente momento foram:

a)    Ração: Os camundongos infantos (4ª semana de vida – sdv), possivelmente para diminuir o gasto de energia e manter-se protegidos, passam a maior parte do tempo em Repouso (dormindo), contudo apresenta uma preferência (consumo de ração, gramas) 50% maior para uma ração comercial de fórmula fechada do que para a mesma versão que foi processada pela autoclavação (121 oC/20 min). Quando jovens (6ª sdv) essa preferência se eleva até 80% e interessantemente, na 8ª sdv, quando adultos a diferença de consumo entre a ração processada e não processada não demonstra diferença significativa, ou seja, não há uma preferência pelo tipo de alimentação ofertado. Ressaltamos que em todas as idades o consumo individual total foi de 5.5±1.8 gramas em todas as idades. Além disso, quando comparamos a preferência entre a oferta de ração no formato peletizado e a processada por extrusamento, a preferência do camundongo pela ração extrusada.

b)    Água: Realizamos a comparação entre o consumo/preferência da oferta de mamadeiras com água filtrada e com água sob processo de autoclavação. Em todas as idades não observamos diferenças significativas no volume de ingestão entre os processos de filtração/esterilização da água.

c)    Piso/Cama: Na área A colocamos uma quantidade de 50g de maravalha e na área B colocamos, também, 50g de flocos de Pinus. No ensaio em duplicata, como em todos os ensaios, invertemos a área de oferta do insumo/material para fidedignidade dos resultados. Em todas as idades a preferência pela maravalha foi em torno de 98%. Observamos alguns indivíduos na área com flocos de Pinus, porém individualmente epor pouco tempo e executando alguma atividade, como se alimentar ou autohigienização. 

d)    Enriquecimento Ambiental: Durante dois anos estudamos, resultando numa dissertação lato senso, qual seria o tipo de enriquecimento ambiental (EA) preferido pelo camundongo e qual seria a melhor forma de oferta do equipamento/material de enriquecimento ambiental. Nossos resultados demostraram que o camundongo infanto não apresenta interesse significativo pelo EA, o jovem não fica claro qual a sua preferência e o adulto preferem o EA do tipo abrigo.

2)    Eutanásia:

    Uma pergunta difícil e amplamente debatida é como realizar a eutanásia dos camundongos em laboratório e manter o bem-estar dos animais durante o respectivo procedimento. Projetos, estudos e reuniões demonstram claramente as vantagens e desvantagens de cada metodologia ou procedimento e de cada substância administrada. No entanto, apesar de todos os esforços, até agora, devido à complexidade do tópico, ainda não há consenso na comunidade científica sobre o método ideal de eutanásia para a finalização humanitária dos animais de laboratório.

    Estruturamos um desenho experimental e um protótipo de câmara de eutanásia (seguindo as resoluções normativas da legislação brasileira), com a mudança do fluxo de insuflação de dióxido de carbono (CO2) utilizando um adaptador elaborado com carvão ativado e um papel filtro (fotos a esquerda), o que diminui a velocidade do fluxo e o odor dentro da câmara (Esquemas a direita). Além disso utilizamos para a saturação de Isoflurano uma gaze embebida com 5 a 10 ml do anestésico inalatório numa proteção de metal para evitar contato com o animal.


    Nossos principais objetivos foram investigar a melhor metodologia a ser utilizada no procedimento de eutanásia, ou seja, contemplar os respectivos requisitos: a) Dinâmica rápida da óbito; b) Efeitos mínimos nos sistemas biológicos animais; c) Baixo custo de aquisição.

    Nossos principais resultados demonstraram que:

a)    A combinação entre a saturação do ambiente com 5% de Isoflurano e a insuflação de 1 ml/L de CO2 promove uma rápida dinâmica de óbito (aproximadamente de 40 a 60 segundos), não apresenta interferência na maioria dos sistemas biológicos, a exceção da neurobiologia, onde há uma elevação expressiva de espécies reativas de oxigênio (ROS, em inglês) o que nos leva a acreditar que por algum motivo ainda não esclarecido, essa associação promove um massivo e rápido bloqueio da cadeia respiratória mitocondrial e a morte imediata dos neurônios.


    Através da análise dos traçados eletrocardiográficos (figura acima), observamos que os camundongos submetidos a eutanásia com a associação de Isoflurano e CO2, não demonstram em nenhum momento sinais de desconforto, angústia ou sofrimento durante o processo de eutanásia. Apenas uma bradicardia sinusal contínua e progressiva até o óbito.  

    Nossos resultados demonstram que a melhor metodologia para induzir a eutanásia no mouse de laboratório durante seu uso para fins didáticos e científicos é através da câmara de eutanásia com um ambiente saturado com Isoflurano a 5% (através de uma gaze hospitalar embebida em líquido anestésico e protegida do contato com e a insuflação de CO2 1 L / min, inicialmente em 20% a 100% da área total da câmara, com restrição do uso de medidor de vazão e modificação da válvula de insuflação.

    No entanto, outras metodologias também têm sua aplicabilidade. Sugerimos que, para neonatos ou animais de colônias reprodutoras, o protocolo ideal seja o uso de uma câmara com ambiente saturado com Isoflurano a 10%, também embebido em gaze hospitalar e protegido do contato com animais. Em relação aos anestésicos injetáveis, sugerimos não usar Tiopental (150 mg / kg) em camundongos e usar a combinação de overdose de quetamina (300 mg / kg) e xilazina (50 mg / kg) por via i.p. apenas nos casos de finalização humanitária dos animais durante os ensaios pré-clínicos. No entanto, não o utilize durante os testes, principalmente devido à interferência direta e acentuada nos sistemas biológicos.

    O CO2, mesmo com o uso de um fluxômetro e a progressão da insuflação de 20 a 100% na câmara de eutanásia, não deve ser utilizado quando a válvula da câmara é de padrão comercial e não há modificação em relação à o odor e o barulho.

    Por fim, acreditamos que este estudo possa agregar à ciência animal de laboratório, demonstrando através de metodologias científicas relevantes, que a indução da eutanásia deve utilizar materiais, metodologias e procedimentos que permitam a ausência de dor, desconforto e angústia no animal, uma velocidade de morte dinâmica e um custo financeiro 20 vezes mais baixo quando comparado com o uso dos agentes injetáveis.

    Então, deixamos como sugestões descritas através dos resultados dos nossos estudos para a realização de uma eutanásia eficiente em camundongos machos Swiss Webster adultos são:

  • Camundongos em criação: Uso de Isoflurano em câmara saturada a 10% (2 ml/L);
  • Camundongos de Experimentação: Uso em câmara de eutanásia com modificação da válvula de insuflação de Isoflurano 5% (1ml/L) associado a insuflação gradual (20%) de CO2 (1 ml/L). A exceção desse caso são os ensaios neurológicos, os quais não sugerimos essa metodologia;
  • Finalização humanitária de camundongos: Uso de sobredosagem da associação entre quetamina e xilazina por via intraperitoneal;

Principais Referências:

1.    Kuzel, Maria Alice do Amaral; et al. Estudo da hierarquia de camundongos Swiss Webster através do uso de sistemas com gaiolas interligadas (SGI). RESBCAL, v.2 n.1, p. 49-60, 2013.

2.    Enriquecimento ambiental: Qual a melhor forma de utilização do enriquecimento ambiental para camundongos em biotério? E-book [http://www.fiocruz.br/ioc/media/enriquecimento_ambiental_ebook.pdf].

3.    Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Resolução Normativa no 30, de 02 de fevereiro de 2016a. Baixa a Diretriz Brasileira para o Cuidado e a Utilização de Animais em Atividades de Ensino ou de Pesquisa Científica – DBCA. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 fev. 2016. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0238/238684.pdf>. Acesso em Jan. 2020.

4.    AVMA. American Veterinary Medical Association. The AVMA Guidelines for the Euthanasia of Animals: 2020 Edition Disponível em: https://www.avma.org › files › 2020-01 › 2020_Euthanasia_Final_1-15-20>. Acesso em Jan 2020.

5.     Cleiton Felizardo de B, Alexsandre Andrade E, Renata Machado F, Cynthia C, Viviane Muniz F, Gabriel Melo de O. Laboratory Mice Euthanasia: Speed Death and Animal Welfare. 2020 - 8(4). AJBSR.MS.ID.001300. DOI: 10.34297/AJBSR.2020.08.001300.


Gabriel Melo de Oliveira é Médico Veterinário formado pela Universidade Federal Fluminense, Tecnologista em Saúde Pública do Instituto Oswaldo Cruz e Responsável Técnico do Biotério de Experimentação Animal dos Laboratórios de Biologia Celular e Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do Instituto Oswaldo Cruz. Iniciou sua carreira acadêmica como aluno de Iniciação Científica/CNPq em 1997, Mestre e Doutor no Programa de Biologia Celular e Molecular, com ênfase em Imunologia do Instituto Oswaldo Cruz. Realizou na Universidade Federal de São Paulo seu pós-doutorado na Disciplina de Nefrologia Clínica da Escola Paulista de Medicina/UNIFESP. Foi por 5 anos Pesquisador Produtividade em Inovação e Desenvolvimento Tecnológico do CNPq. Atua na área de Ciência de Animais de Laboratório como Coordenador do Setor de CAL do Biotério LBC/LITEB – IOC, colaborador da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL) e Editor Chefe da Revista da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (RESBCAL).

Comentarios

Seguiremos ofreciendo un espacio para todos aquellos que quieran participar y colaborar en esta cruzada educativa, porque tenemos muy claro que estaremos constantemente: “Aprendiendo de los Animales de Laboratorio”.

Suscribir a Magazine

Back to Top